Tetos sem paredes
Hoje é a noite que o dia não chega
Menino torto de fome
Tortura comedora de homem
Comem todos à mesa
Ao vento e aos mares
Aos maraventos
Destino de morto sem nome
Senhora banguela dos dentes
Carne dura e fibrosa
Frieira em pé de menino pobre
De cachorro sem dono
De pássaro preso
De menina sem tetas
Tetos sem paredes
Aviões sem asas
Azar de quem veio
Sorte que não ficou
Doença de come e cospe
Cusparada na cara
Peidorreira de rico
Um voo no buraco escuro
Mesas sem pernas
Tábuas sem nós
Nós sem as tábuas
Tranqueira flutuante
Comida sem cheiro
Onde anda o brinquedo do guri?
Quedou-se o pirralho
A empurrar o trem de madeira
Por trilhos empenados
Por lógica torta
Pela tarde antes da manhã
Gato sem nome
Estrelas sem céu
O seu não é meu
O mel acabou
As moscas brigaram
As abelhas sem asas
As asas sem penas
Busca pequena
A feitos gigantes
A subida desenfreada
A moinho de vento
A moinho de tempestade
A moinho de furacão
Vai-se de retro o satanás
Satã errou ao nascer
A placenta não se rompeu
Os gêmeos se afogaram
O dentes se comeram
Os olhos se furaram
As pernas me saíram debaixo
O chão ficou perto
A distância encurtou
O foguete caiu
O mundo desapareceu
Foi-se de frente o fiel
A balança pendeu
O chocolate virou cacau
O mal plantado com raíz
O rasgo cruzou o pano
O pão queimou-se no forno
A corte puniu o juiz
O jato cruzou a terra
A terra girou anti-horário
A noite perdeu a hora
O cuco ficou para fora
O relógio do avô parou
A vida da velha começou
Apressou-se o jabuti,
Creu-se na mentira lavada
O rosto perdeu as cores
A flor foi despetalada
Não sei se escolherei
A morte é incerta
O calor esfriou o fogo
O martelo quebrou o gelo
Minha mãe come só
O meu pai mora só
Os amigos sumiram
E a festa começou
A ilha do temporal
A meiguice do Japão
As crias sem fim
As cruas mazelas
O abandono na plebe
O achado do ouro
A perda por sorte
O dito do Benedito
A peruca do velho
A culpa do veado
O chifre incrustado
Na cabeça do marido da puta
Vale sem margens
Casas sem eiras
Casou-se o bandido
Prendeu-se o avoado
Saiu o cavalo no trote
Ganhou asas o corcel
E voou, voou, e voou
Para onde os elefantes morrem
Para onde os pardais caem
E as olheiras da donzela são grandes
E as orelhas de Dumbo voam
E aterrissam no ar os navios
E por tudo que foi ou não foi dito
Digo que fico
Pois hoje é o dia
Que a noite não vai chegar
Pato Mandarim
03.2017